quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Janelas abertas (acesas)



Abro a pequena janela do meu quarto e a noite é como um velho quadro na parede: garranchos de nuvens se sobrepõem às linhas finas e invisíveis das estrelas.


A essa hora, em algum lugar perto ou longe daqui, alguém acabou de acender um cigarro e, se não houver algo que o atrapalhe, esse alguém fumará todo seu cigarro, depois o lançará, no chão da rua, num canto do cinzeiro cheio ou na cabeça de outrem, que agora passa sob seu prédio. Mas ainda nesse instante, alguém decidiu não acender o cigarro, resistiu à vontade fulminante depois do empate vergonhoso da seleção brasileira de futebol e, para não voltar a cair em tentação, desligou a tevê – para alguns, desligar a tevê é abrir a janela, para a maioria... o contrário. Aliás, é tristemente óbvio que algumas coisas sejam para alguns e que a maioria sempre se contente com o contrário. No entanto, minha tevê continua ligada, tão fragmentária e distraída quanto esse texto, e pretendo deixá-la assim: tevê não carece de atenção e nem quer. Visto isso, descalço as sandálias ao tempo que tenciono, em pensamento, acender meu cigarro.


Já com o meu cigarro aceso, penso na inutilidade do parágrafo anterior enquanto oponho os limites da linguagem, ao tentar representar, contemplar “o fumar”, à sensação indescritível da libertação de todos os pensamentos, num trago e na fumaça que o precede, cerca e segue. Falar sobre fumar é inútil: é preciso tragar o que se quer saber, posto que a característica principal da representação reside na coisa que necessariamente ocupa o lugar da outra, uma coisa significando outra: falar sobre a coisa, redundantemente assim, não é a coisa em si: a coisa escapa às reduções simbólicas e, principalmente, à essa minha prolixidade cansativa. A coisa está pra lá de Bagdá e não há explosão que a traga de volta, ela nunca esteve aqui e não é fumaça.
Luís Fernando Veríssimo tem uma sintaxe interessante, é conciso, desenrola seu discurso em períodos curtos, uma ex-namorada o adora, se eu gostasse tanto quanto ela, e lesse mais coisas dele, quem sabe?!, talvez fosse uma boa influência, em dois dias de leitura, de repente, um milagre: períodos curtos e densos.


Por enquanto, ando mesmo é preocupado com a seleção, uma série de jogos sem vitória, em casa. O pessoal da janela já está até dizendo que a identidade nacional está sofrendo profundos abalos. O número dez do time disse que o time estava cansado, meu pai concorda e acredita que foi por conta da praia, à tarde, mas eu acho mesmo que tem a ver com o horário, o pessoal da janela decidiu que o jogo ia começar ainda mais tarde.


Desligo e fecho as janelas, continuarei fumando... antes de dormir, amanhã acordo cedo: vou à fábrica de janelas.

Um comentário:

Erika disse...

Gosto de janelas. Do meu quarto eu vejo o mundo lá fora, o problema é que nem sempre o mundo me vê. Não que eu tenha nenhum tipo de fetiche... Nem tenho talento pra voyer, e olha que até me interesso pelo assunto. O fato é que gostei mesmo deste texto, e da sua divagação sobre o cigarro e todos os transtornos que a indecisão causam. E pode nem ter sido nada disso. Ah, deixa pra lá. vc sabe que eu gostei..então..lerei mais vezes.